…a síndrome do vídeo(game)…
Taí um filme que queremos ver há 12 anos e nunca conseguimos. E também não foi dessa vez.
(ou não teria sido, não fosse a mágica das reprises da HBO. O que começou como um nem na metade…, virou uma #dicaduca em questão de horas) 🙂
eXistenZ foi o último filme de David Cronenberg (A Mosca, Videodrome, Scanners, Gêmeos: Mórbida Semelhança) com a temática visual de mutações físicas. Salvo engano, saiu na mesma época em que houve uma exposição do diretor em São Paulo que trouxe a arma orgânica do filme.
Uma história cheia de camadas, que bota o badalado (e bom) Inception no jardim de infância da complexidade.
O enredo: num futuro um pouco depois de amanhã, uma empresa desenvolvedora de games reúne um grupo-teste para experimentar um novo jogo de realidade virtual. E a pesquisa de marketing dá errado. E a pesquisa de marketing dá errado.
(se você acha que erramos, volte a ler isso depois de assistir ao filme)

porque é bom
Quando esse texto ainda era um nem metade…, fugia do padrão: vimos o final, mas perdemos o começo e o meio foi todo picotado. O que fez toda a diferença quando começamos a assistir do início, tornando tudo mais genial.
Que o diga a esposa do espinafrando: ela fez o caminho inverso e assistiu apenas o começo. E suas primeiras impressões foram: “esse filme é uma droga, não sei como o Jude Law foi se meter numa roubada dessa”.
Também, pudera: eXistenZ é um filme co-irmão de ‘A Ilha do Medo‘ de Martin Scorsese. Não na temática, que não poderia ser mais distante. Mas na forma: ambos começam com atuações completamente canastronas e com uma fotografia esquisita.
E o filme do Cronenberg ainda tem o agravante de efeitos completamente amadores –repare nas primeiras cenas em que os protagonistas estão fugindo de carro: é gritante a tela passando um filme da estrada do lado de fora do veículo.
Mas quem vence o preconceito das cenas iniciais de ambos os filmes é premiado com reviravoltas espetaculares, que justificam as opções discutíveis dos diretores. Tudo faz sentido. São filmes para ver e rever pelo menos uma segunda vez, de preferência logo que terminam.
porque é duca
Pra começar, é um filme de Cronenberg. O que já é garantia de (1) te deixar perturbado e (2) te fazer pensar.

Além disso, tem um elenco ótimo:
★Quem gosta de ‘O Senhor dos Anéis‘ vai encontrar o Bilbo Bolseiro Ian Holm e Howard Shore na trilha sonora.
★Como protagonistas, temos Jude Law e a adorável (e sumida) Jennifer Jason Leigh.
★A melhor cara de louco do cinema, Willem Dafoe, faz uma participação curta, mas essencial.
★E, numa ponta no finalzinho, Sara Polley, na flor dos seus 20 aninhos. A mesma Sara de Splice (é sério: ninguém vai ler essa #dicaduca? É bem legal!). O mesmo Splice que se inspirou no design cronenbergiano para suas larvas (além de retomar a tradição d’A Mosca).

Falando em Sara Polley, uma curiosidade: tanto ela quanto Cronenberg estiveram no velho seriado ‘Sexta-feira 13: O Legado‘ (ou ‘A Loja do Terror‘, como foi batizado pela Globo). Mas não se encontraram lá: Ms. Polley atuou em um episódio de 1987 e David dirigiu outro em 1988.
Pros gamers, o filme traz interessantes questões sobre a qualidade dos enredos/interpretações dos videogames que, via de regra, achamos emocionantes e realistas enquanto estamos jogando, embora não resistam a um segundo olhar fora do contexto. Faça o teste e tente contar para outra pessoa a trama daquele supergame animal: se não se sentir constrangido com a fragilidade do roteiro, nos conte qual é esse game! 😉

Além disso, tem uma grande e sutil sacada sobre o livre-arbítrio no mundo eletrônico. Que pode ser estendida para a vida real: afinal, até que ponto podemos mesmo tomar qualquer atitude, quando a sociedade já espera determinadas reações?
Pra finalizar, eXistenZ é duca porque tem uma trama intrincada que te obriga a prestar atenção em cada detalhe e, ao contrário de ‘Inception‘, respeita a inteligência do cinespectador, sem ficar “overexplicando” tudo timtim por timtim e deixando o final aberto a interpretações.
