rúcula X agrião traz a comparação da mesma obra em duas mídias diferentes. Na salada de hoje, o embate entre Os Perdedores (a HQ de ação da Vertigo) e Os Perdedores (o filme de ação da Warner). Enjoy!
A HQ
The Losers é uma das melhores histórias de ação que já lemos. Uma mistura de Esquadrão Classe A com Missão: Impossível.
O enredo: um grupo de operativos da CIA dado como morto numa missão que não acabou bem decide dar o troco na agência e no chefe secreto que os traiu. Tá certo, a premissa não é nem um pouco original. Mas o roteiro afiado e a arte minimalista (arte que lembra um pouco o estilo de Mike Mignola e seu Hellboy, embora mais iluminado) dos britânicos Andy Diggle e Jock fazem essa velha história valer a pena.
O tom é de seriedade com quilos e quilos de ação desenfreada, beirando o absurdo. É pra se esbaldar. O riso nervoso só aparece nos momentos de tensão e nas soluções completamente estapafúrdias que o grupo de ex-agentes coloca em prática para desmascarar a conspiração que envolve governo e iniciativa privada.
Aliás, mais do que vingança, os Perdedores buscam justiça por meios tortos. Justiça para sua situação de renegados e justiça para o povo. Alguém aí falou em Robin Hood?
Os personagens são clichês cheios de carisma. E se você gosta deste tipo de história, garantimos que o fator clichê não é problema. Não quando o desenvolvimento é tão bem feito.
Relendo o 1º volume de Os Perdedores (lançado por aqui pela Panini, às vésperas da estreia do filme nos cinemas no ano passado), a sensação que fica é que (1) é difícil largar a história no meio, (2) como é que vão transformar toda essa megalomania em filme e (3) já passou da hora da Panini lançar novos volumes da série no Brasil.
O mais legal é que você tem apenas uma ideia do quadro geral, já que é jogado direto no meio da ação, sem direito à prólogo. A ousadia da estrutura acaba contrabalançando a temática surrada.
Nada é explicado e esmiuçado gratuitamente: você vai montando o quebra-cabeças com cada pedacinho de informação que os personagens liberam entre um momento e outro de altos níveis de adrenalina. Expectativa é a palavra-chave.
Expectativa que é recompensada por uma trama bem amarrada e com mais reviravoltas por metro quadrado do que um bom jogo de Texas Hold’em Poker.
O espinafrando garante: você não tem nada a perder lendo The Losers.
O FILME
Lembra quando o povo reclamava da adaptação cinematográfica de John Constantine? Bem, aquilo era o Cidadão Kane das adaptações perto do filme d’Os Perdedores. Está pau a pau com os péssimos A Liga Extraordinária e Elektra na disputa pelo troféu “Denegrindo as Histórias em Quadrinhos”.
Falamos isso não como fanboys, mas como apreciadores de cinema em todas as suas vertentes, incluindo blockbusters descerebrados. Ser descerebrado não é um problema por si só, vide O Esquadrão Classe A, que se assume pipoca e entrega diversão.
Da mesma forma, a falta de fidelidade ao material original também não é problema –é por isso que se chama adaptação. Mude o que for preciso, basta construir uma história que funcione tão bem ou melhor que a original.
Dito isso, The Losers, o filme, falha miseravelmente em ambos os quesitos. O primeiro erro foi abandonar a estrutura da HQ para contar uma história linear. Perde-se o mistério e as situações clichê se sobressaem. Uma pena. O segundo já é mais grave. Não é um simples caso de deturpar o material de origem a ponto de ficar irreconhecível (e fica): é o temível caso de construir uma história que não funciona em nenhum nível e realizar um filme cujo melhor adjetivo é “chocho”.
Cadê a intriga? Cadê a trama que envolve petróleo, tráfico de drogas e o governo? De onde tiraram a bomba de ficção científica? Cadê a profundidade do roteiro? Cadê a espionagem marota? Cadê a AÇÃO?
O próprio Max (o poderoso chefão secreto que traiu os Perdedores) é um exemplo disso: enquanto no gibi ele só aparece (de costas) no último quadrinho do 1º volume encadernado, no filme ele dá o ar da graça já nos primeiros 20 minutos, caracterizado como o típico vilão caricato de paródia do James Bond. Lembrando que nos quadrinhos (pelo menos nesse primeiro volume), Max parece ser uma espécie de J. Edgar Hoover: um escroque, mas um escroque crível, que controla e decide as piores atrocidades dos bastidores. Que a continuação da banda desenhada não se prove um engodo, saravá!
Falando em Max, vamos passar em revista os demais personagens principais e ver como se saíram na telona (dica: bem mal).

☞ Clay (Jeffrey Dean Morgan = Javier Barden genérico): perde a aura de durão como um bloco de granito e vira um doce de pessoa, o chefe bonachão.
☞ Jensen (Chris Evans): o Capitão América/Tocha Humana está irreconhecível, no papel do operativo nerd falastrão. Até que não fez feio.
☞ Aisha, na bela pele de Zöe Saldanha, foi a mais deturpada. Antes uma misteriosa e implacável agente, calada e mortal, meio Mossad, de meter medo mesmo, virou uma espécie de Pantera (só falta ter um chefe que só se comunica por viva-voz chamado Charlie). E se a “reviravolta” que acontece com seu personagem também acontecer nas continuações do gibi, ficaremos desapontados. E o romance com Clay? Não há espaço para o amor entre os Perdedores, sentimos muito. Bola fora do estádio.
☞ Roque (não é o do Sílvio, hein?): Idris Elba não compromete como o personagem mais fraco de todos e inicia sua carreira como substituto-afroamericano-para-dar-mais-diversidade-ao-elenco (como fez com o Heimdall, de Thor).
Tá certo que não se podia esperar muito de Sylvain White, diretor inexperiente com 5 fitas no currículo (entre estas, a continuação da continuação que saiu direto em vídeo: Eu Sempre Saberei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado). Mas os roteiristas James Vanderbilt (Zodíaco, um dos melhores filmes do cinema; e dos vindouros The Amazing Spiderman –reboot– e Total Recall –refilmagem de O Vingador do Futuro) e Peter Berg (Collateral, Friday Night Lights) não parecem ser ruins. E Os Perdedores é produzido por Joel Silver (Duro de Matar, The Matrix), pelamor! E Akiva Goldsman (Constantine, Jonah Hex, Perdidos no Espaço, Sr. e Sra. Smith, Starsky & Hutch) — ah, tá explicado.
Em resumo, a melhor coisa desta película são os créditos de abertura e encerramento, com a arte de Jock. Só tem una coisa que o filme faz bem feito: assassinar uma ótima história. Com requintes de crueldade. E sem deixar vestígios.
O espinafrando aposto alto e perdeu 2 horas de seu precioso tempo.