…”I’m still Alive!”… (and kicking!)
Pearl Jam. Uma banda (e um conceito) sobrevivente. O patinho feio do grunge, que lá no começo da década de 90 era acusado de ser uma banda comercial em meio aos alternativos de Seattle e redondezas. Cuja ira dos grungers puristas recaía em peso sobre a figura do surfista californiano Eddie Vedder, um estranho no ninho, uma farsa que queria se aproveitar da onda iniciada por Mudhoney, Nirvana, Alice in Chains, Soundgarden e afins. E que tocava, abuso-dos-abusos-vejam-só, rock pesado clássico com direito a solos elaborados de guitarra, a exemplo das grandes bandas dos anos 70: The Who, Neil Young, Led Zeppelin e afins.
(mas que ainda assim era chamado de grunge, pela combinação Seattle + camisa xadrez + 1991).
20 anos depois. Uns ficaram pelo meio do caminho, com mortes precoces de membros-chave. Outros estão redivivos, acabando e retomando as atividades eventualmente. E alguns continuam como sempre estiveram, sem sair do gueto. E a trupe de Vedder, Ament, Gossard e McCready (e Matt Cameron, batera ex-Soundgarden, na última encarnação) é a única banda da época que continua relevante. Ironia? Não. Está mais pra falta de perspectiva do povo do século passado.
Nesse período, foram 9 discos de estúdio (sem contar Lost Dogs, uma “coletânea” de “lados B”, em sua maioria inéditas. Aliás, vamos combinar que essa história de lado B para designar sobra de estúdio não cola mais em pleno 2011, quando o vinil de dois lados virou artigo de colecionador há anos e com o CD prestes a morrer), 7 álbuns oficiais ao vivo, 1 EP e a incrível marca de 263 bootlegs (e contando…) –gravações oficiais de grande parte dos shows a partir de 2000, disponibilizadas pra venda através do site oficial da banda (atualmente, estão disponíveis 64 shows de 2008 a 2010).
Mas não pense que o caminho foi fácil pra chegar até aqui. As críticas recebidas no começo de carreira eram um prenúncio do que o Pearl Jam enfrentaria na estrada.
- A troca de bateristas no caminho é apenas uma amostra: 5 ao todo, o mais longevo é o atual Cameron, citado aí em cima, que acompanha a banda desde 1998.
- Teve o rompimento com a Ticketmaster, principal produtora de shows dos EUA, por causa da taxa de conveniência cobrada na venda de ingressos, inflacionando os preços para os fãs: foram 4 anos de boicote que causaram mais prejuízo à banda e seus admiradores do que à empresa (muito porque o Pearl Jam foi o único grupo que encampou o protesto. Se outras bandas tivessem apoiado a causa, talvez hoje não tivéssemos que pagar esse absurdo de taxa que só é conveniente para os próprios organizadores. Enfim…).
- Junto com o protesto contra a Ticketmaster e com dificuldade para assimilar o sucesso, a banda começou um processo de autossabotagem comercial, se recusando a gravar videoclipes para se concentrar somente na música. E isso foi logo após o estouro de Jeremy na MTV. O silêncio visual foi quebrado poucas vezes desde então, como com a animação para o clipe de Do The Evolution feita por Todd McFarlane (artista dos quadrinhos famoso por sua passagem revolucionária pelo Homem-Aranha e criador do Spawn), um par de clipes passados no estúdio de gravação quando lançaram Riot Act em 2002 e um ou outro gravado durante shows. Ao todo, são apenas 17 clipes, muito pouco para uma banda de sucesso com mais de 200 músicas.
- As críticas dos veículos de comunicação, especializados ou não, (quase) sempre desceram a lenha a cada álbum lançado. “…perderam a mão…”, “…não se compara ao álbum anterior…”, “…mais do mesmo…”, “…uma fuga do estilo da banda…”, e segue por aí. Não sabemos se influenciadas pelas críticas ou pela própria crise do mercado fonográfico, as vendas despencaram a cada ano a partir de No Code, o 4º álbum de estúdio. Apesar de tudo, podemos dizer que o que já foi dito sobre qualquer álbum do Pearl Jam é balela: afaste o preconceito e mande ver em qualquer um, qualquer um mesmo, até o Binaural, que você não vai se arrepender. Pode até rolar um estranhamento inicial, mas depois de escutar um disco inteiro por umas 3 vezes, você se apaixona.
- Pra piorar, durante a turnê de 2000, o Pearl Jam foi acusado pela morte de 9 fãs que foram pisoteados e morreram sufocados no concerto em Roskilde, Dinamarca. Não à toa, desde então Eddie Vedder sempre pede que a galera segure a onda e não se machuque durante os shows (vimos isso ao vivo, depois de uma espera de 14 anos, no histórico show de 2005 no Pacaembu).
É, como diria o AC/DC de Bon Scott: it’s a long way to the top, if you wanna rock’n’roll.
Felizmente, o PJ possui muita fibra entre suas inúmeras qualidades. E, 6 anos depois de sua primeira apresentação em São Paulo, pudemos conferir, novamente ao vivo, um dos 5 melhores shows de rock que já tivemos a oportunidade de assistir in loco (pra citar alguns: o próprio AC/DC, Jerry Lee Lewis, Little Richard, Elvis Costello, U2, Echo & The Bunnymen, Man Or Astroman?, Green Day, entre outros). Este é um relato de nossas impressões.
Como é bom ver uma banda vestida só de jeans e camiseta, num palco relativamente modesto para o tamanho do público. Nada contra a pirotecnia de um U2 (principalmente, nada contra o palco 360º, já que da onde estávamos –canto da arquibancada azul– não era possível ver nem o telão preto e branco), mas é bom voltar ao básico. E o melhor é que nem deu tempo de notar esse “figurino” espartano: o Pearl Jam começou atacando com tudo, numa sequência de porradas pra não deixar ninguém parado (Go, Do The Evolution –bebê–, Severe Hand, Hail Hail e Got Some). Só deu pra respirar na sexta canção, a balada com o mais longo título do catálogo da banda: Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town.
Sem nada pra desviar a atenção, a única sustentação para o show é a música. Felizmente, a música deles é mais do que capaz de sustentar a coisa toda. Não teve surpresas pra quem já viu outro show dos caras (ou ouviu uma das inúmeras gravações ao vivo –quem comprou o último CD, o Backspacer, por exemplo, pôde baixar 2 shows completos do site oficial). Nem mesmo a não-repetição do setlist do dia anterior foi surpresa, pois é prática da banda. Nessa entrevista do Mike McCready pra Folha, por exemplo, ele fala de terem 200 músicas ensaiadas e de como decidem quais vão pro show instantes antes de subir ao palco. E o fato de não ter surpresas não tem nada de negativo, se você já viu/ouviu um show do Pearl Jam: as interpretações costumam ser sensacionais, com alguns arranjos modificados em relação às gravações de estúdio, normalmente com mais pegada e velocidade. E os solos de guitarra sim, são sempre inéditos, com duração que varia conforme o humor do momento. Tecnicamente, o grupo manda muito bem, com um entrosamento raro entre os integrantes, tudo bem azeitado. Bateria acelerada, baixo potente, guitarras altas (ora sujas, ora límpidas), de vez em quando um violão acústico meio folk pra arrebatar corações durante as baladas. E o vocal de Vedder, que merece um parágrafo exclusivo.
Qualquer um que já leu Um Grande Garoto do Nick Hornby (cujo título é uma brincadeira com About A Girl, do Nirvana) lembra do asco que o protagonista tem por aqueles que cantam de olhos fechados. Coisa de pretensioso e/ou de desajustado, diria Will. Se Will Freeman abrisse uma exceção algum dia, certamente seria para Eddie Vedder. Cada nota gutural, gritada e urgente e cada palavra que ele profere, de olhos abertos ou fechados, não parecem: vêm do coração. É basicamente o que aqueles jurados dos American Idols da vida vivem cobrando dos frequentemente péssimos calouros, sem ter resultado. Além da autenticidade e do carisma, vale destacar o alcance e a potência no estilo barítono, mesmo quando rouco. Poderia ser o substituo natural do Jim Morrison nos Doors, não fosse o desperdício de um talento.
A apresentação mesclou passado, presente e futuro da banda. Não à toa, os dois discos com mais músicas tocadas (6 de cada um) foram o primeiro e já clássico Ten e o último e subestimado Backspacer (já estávamos apaixonados pelo disco, mas depois de ouvir como algumas canções ficam ao vivo, dá pra dizer que é bom pra cacete). Ficaram de fora só o soturno Binaural e o folk Riot Act. Difícil apontar destaques entre as 29 músicas escolhidas, mas vamos lá:
- Na primeira parte, ficamos com Wishlist (por motivo pessoal: não tocou no show de 2005) e com uma música do trabalho solo de Vedder, composta para a trilha sonora do bom filme dirigido pelo Sean Penn: Na Natureza Selvagem. Apesar de ser uma das poucas que não conhecíamos, fica em destaque pela raridade do acontecimento: é muito difícil uma banda tocar em um show um trabalho solo de um de seus integrantes.
- Vale lembrar também a história de Vedder e sua identidade falsificada pra entrar no show do X quando era menor de idade (embora essa história possa ter sido contada em um dos bises –a memória já começa a falhar e as anotações que fizemos durante o show se descobriram incompletas por culpa do teor etílico). Estava ele lá, garotão todo pimpão, quando a vocalista Exene lhe pediu pra segurar sua cerveja no meio do show. Diz ele que não bebeu a cerveja, só ficou lá em pé, segurando o copo (•sorriso maroto•). “E que coisa fantástica é, depois de tanto tempo, o X abrir o show do Pearl Jam hoje. E como essa banda punk seminal merece respeito.” Pena que pouca gente deve ter conseguido ver o X ao vivo: nós mesmos não chegamos a tempo para o show de abertura, que diz a lenda, começou as 19:00. Uma merda, já que chegamos as 20:00 e tivemos um DJ recepcionando. Ponto fraco pra (des)organização.
- No primeiro bis (ótimo), tivemos a linda Inside Job e mais uma história de arrepiar (e inédita, pelo menos para o espinafrando): a primeira vez que McCready tocou essa nova composição pro Vedder foi num quarto de hotel em São Paulo durante a primeira passagem pelo Brasil. E sempre que tocam essa música, ele lembra da cidade. Como paulistano honorário (o espinafrando adotou a capital por opção há 15 anos), dá um certo orgulho da cidade ter inspirado uma música tão poderosa, de uma banda tão verdadeira.
- Também no primeiro bis, escutamos a inédita Olé. A nova música é uma porrada bem-vinda. Tem pegada semelhante a do último trabalho de estúdio. E na sequência, tocaram a que talvez seja a música mais subestimada da história do Pearl Jam: a pérola do primeiro disco Why Go, que nunca entendemos porque não estourou (aliás, a temática da letra tem tudo a ver com o espírito de A Pele Que Habito, último e ótimo filme do Almodóvar). E encerraram com Jeremy, só pra matar de inveja quem foi no show da quinta-feira e não escutou.
- O segundo e último bis foi pra esculhambar geral, pra fazer com que você que foi ao show saísse em êxtase. Começou com Last Kiss, a cover mais famosa do PJ (e também uma das letras mais trágicas da história do rock), seguida pela arrebatadora Better Man, com um solo de guitarra matador (é a primeira vez que o escutamos com uma vibe La Bamba). Pra quem reclamou que dessa vez não teve cover dos Ramones com I Believe In Miracles, Vedder fez questão de colocar o refrão da canção de amor mais ingênua do rock’n’roll no meio de Better Man: I Wanna Be Your Boyfriend, dos 4 garotos de NY (pop quiz: salvo engano, I Wanna Be Your Boyfriend é o mais perto que os Ramones chegaram de uma balada em toda sua discografia. Alguém depõe contra isso nos comentários?). Depois de emocionar todo o estádio, jogaram a adrenalina de volta para o pico, com a metralhadora de Spin The Black Circle, do mesmo álbum Vitalogy da música que a antecedeu. Foi então que a redentora Alive chegou, parecendo pronta pra encerrar o show. E aí veio finalmente uma surpresa das grandes pro espinafrando: Baba O’Riley, classicasso do Who (e que não ficou devendo nada à original. Pelo contrário: Vedder é melhor vocalista que o Roger Daltrey, e o resto da banda não fez feio em nenhuma nota sequer). E pra fechar com chave dourada, a tradicional Yellow Ledbetter (aí embaixo tem o solo final, já com os defletores acesos).
Pra não dizer que só falamos de flores, é uma pena que a acústica do estádio, a mixagem e equalização da mesa e talvez a estrutura e distribuição dos alto-falantes tenham prejudicado tanto o som: o eco cancelava notas e a bateria esteve sempre abafada. Guitarra, baixo e voz embolados, com falhas de um ou outro aqui e ali, completaram o pesadelo. Saudades do Pacaembu…
Sem contar o clima de fim de feira quando começou a tocar Baba O’Riley e os defletores foram acesos. O Morumbi queria nos expulsar a todos, banda inclusa, tipo quando você está num bar tomando a saideira e os garçons começam a virar as cadeiras e jogar água e sabão no chão. E parabéns ao PJ que não se intimidou e ainda tocou mais uma antes de encerrar.
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E foi isso. Sem dúvida a melhor sexta-feira do ano para o espinafrando e para grande parte das pessoas que estiveram por lá. Esperamos um novo disco no ano que vem, mantendo a banda relevante. E que venham mais 20 anos assim.
Parabéns ao pessoal do Espinafrando pela crítica e detalhes apresentados neste post do PJ e do show!!!! Concordo que shows no Pacaembu são melhores…mas PJ, Metallica, Guns n Roses, Stones, etc podem tocar em qualquer lugar que o show fica bom!!!! Parabéns pelo post!!!!
Valeu, Luciano! Ficamos realmente felizes com os elogios. Nos incentiva a continuar com o blog.
Parabéns ao pessoal do Espinafrando!
Valeu pessoal!
Brigadu!!
Juntamente com a banda, também nasci em 1991 e eles estiveram presente durante muitos momentos marcantes de minha vida. Mesmo estando lá lonjão (na arquibancda vermelha) a energia do palco estava presente até na ponta dos meus pés. Não parei de cantar e pular em nenhuma música, e fui trampar sem voz na segunda-feira.
Galera aí do site, muito bom o post! Só queria fazer um adendo, na parte dos defletores acesos em Baba O’Riley/Ledbetter. O PJ costuma tocá-las nesse clima mesmo, assim como visto no ao vivo “Live at the Garden”. Acho que para dar a impressão de aproximação deles com o público, encerrando o concerto de forma simplória, não se importando com os efeitos visuais quando somente a energia da música está presente. E realmente estava, a galera da aquibancada, eu incluso, ficou louca gritando “THE WHO P***A!” e começaram a bater na divisória de metal quando ouviram as primeiras notas da guitarra do Mike em Ledbetter.
Bambi detected