Confuso. Foi assim que saí da 1ª exibição no Brasil de O Espetacular Homem-Aranha. Não que a história seja particularmente intrincada ou de difícil compreensão. Não é. A confusão foi a respeito do meu veredicto. Afinal, eu gostei? Achei espetacular? Achei ruim? Melhor que os filmes de Sam Raimi ou pior ou algo simplesmente diferente?
Parte da confusão certamente tem a ver com a decisão controversa da Marvel Studios e da Sony em rebootar uma franquia de inegável sucesso (apesar do fraco 3º episódio) que começou há apenas 10 anos e cuja última parte foi exibida nos cinemas há 5. Decisão que foi tomada em meio à difícil negociação entre estúdio e Raimi, Tobey Maguire e Kirsten Dunst para produzir a 4ª aventura. E isso após um terceiro filme já complicado, em que, dizem, Sam Raimi queria utilizar o Lagarto como vilão e teve que engolir um Venom por imposição.
O reboot precoce é uma decisão rara na história dos blockbusters, normalmente reservada a filmes de baixa arrecadação, embora a própria Marvel já a tenha tomado com o Hulk, também num espaço de 5 anos. A situação foi parecida, mesmo que com impacto bem mais leve, já que naquela altura só havia um filme do Golias Esmeralda como legado e cuja recepção por parte do público foi bem dividida. Eu estou no time da minoria, que curtiu pacas a incursão de Ang Lee.
Essa confusão minha, na verdade, é de puro sentimento. O novo Aranha tem um saldo mais do que positivo (apesar de uma decisão bem questionável), e definitivamente vale o ingresso. Então, vamos à análise, respondendo às perguntas que os fãs dos aracnídeos devem ter na cabeça.
@espinafrando, qual é a premissa do filme?
É, mais uma vez, a história de origem do Homem-Aranha. Como ele ganhou os poderes, a morte do tio Ben e etc. Lógico que há diferenças ao que já foi encenado por Maguire e cia. Afinal, por que fazer tudo de novo sem mudar nada? Isso aqui não é o Psicose de Gus Van Sant, oras!
A principal delas é o envolvimento direto dos pais de Peter Parker na origem do herói. “A história nunca antes contada.” E é isso que me faz torcer o nariz nesse reboot, entre outros detalhes.
O Universo Marvel nos quadrinhos, com suas décadas de continuidade, acaba restringindo algumas possibilidades narrativas, para o bem e para o mal.
Para burlar as restrições da cronologia, alguns editores/escritores inventaram a retificação de continuidade, ou ret-con para os íntimos. Quer usar um personagem que está morto há 40 anos? Sem problema: ele não morreu “de verdade”, foi sequestrado e colocaram uma pedra no caixão. Cansou de um casamento ou se arrependeu de revelar a identidade secreta? Fácil: invente um pacto com o demo e tudo é magicamente apagado. Quer adicionar drama? Basta alterar eventos-chave do passado, tornando o personagem responsável pela criação da ameaça da vez.
O resultado das ret-cons, via de regra, é bisonho. E o próximo escritor normalmente acaba tendo que consertar tudo com uma explicação mirabolante para poder seguir em frente.

Esperava-se que a Marvel não repetisse esse tipo de erro editorial nos filmes, mas o próprio Homem-Aranha 3 já havia molhado o biscoito nessa caneca, ao alterar o bandido que matara o Tio Ben.
Em O Espetacular Homem-Aranha, os poderes do herói são meio que um legado deixado pelo pai de Peter Parker, como se o garoto estivesse destinado a se tornar o Amigão da Vizinhança. Por tabela, o legado também é responsável pela origem do vilão Lagarto. Por que isso é ruim? Ora, “destino” é a justificativa mais preguiçosa que se pode dar numa narrativa, além de diminuir a importância das escolhas do personagem, aquilo que lhe confere estofo. Uma coisa é lutar contra o bandido porque você é responsável por ele existir, uma obrigação, ainda que moral. Outra, é decidir lutar com o bandido porque é a coisa certa a fazer, é o sacrifício pelo bem maior, o ato heróico.
E como diz o lema, “coincidência demais não cheira bem”. Tudo precisa ser conectado? Cadê o peso do acaso na formação de caráter?
Só espero que a continuação não siga o plot dos quadrinhos, onde os pais de Peter voltam depois de anos como agentes da CIA. Ou algo assim: felizmente, apaguei essas histórias sofríveis da memória.
@espinafrando, o que achou do Peter Parker do Andrew Garfield?
Há tantas histórias e encarnações do herói nos quadrinhos que fica difícil, senão impossível, pedir coerência de um filme com o material de origem.
Acompanhei boa parte das histórias do Homem-Aranha dos anos 70, 80 e 90, mais coisas isoladas das décadas seguintes, e o que vi foi uma miríade de temas e personalidades, ao gosto de cada escritor e artista. Isso sem contar o universo Ultimate, uma continuidade paralela que segue premissas diferentes, da qual já falei com mais detalhes nesse artigo.
Sendo assim, tanto o Parker de Tobey Maguire quanto o de Andrew Garfield são representações fidedignas.
O Peter de Maguire focava o lado mais retraído do personagem, a faceta dos anos 60.
O de Garfield é ancorado no lado sarrista, com uma roupagem de adolescente moderno. Ao invés da timidez excessiva, vem o turbilhão de sentimentos difícil de conter. A fala enrola, o sorriso e o choro são fáceis, a raiva aflora. O físico magricela, junto com a opção do diretor Marc Webb de evitar o uso excessivo de CGI e filmar o máximo possível das acrobacias reais, compõem um pacote mais crível. E na persona do Aranha, a coisa fica ainda melhor: poses a la Todd McFarlane entre provocações tipo smart ass fazem o herói do papel ganhar vida de forma mais vibrante do que a encarnação anterior, mais livre e sem aquela sensação de estar preso por cabos que domina algumas cenas da 1ª trilogia.

@espinafrando, ouvi dizer que agora o Homem-Aranha usa os famosos lançadores de teia dos quadrinhos, ao invés da teia orgânica dos primeiros filmes. Como ficou isso?
É verdade, os lançadores de teia estão presentes dessa vez. E estão espetaculares!

Inclusive, a criação do aparelho tem uma solução bem mais elegante do que a das revistinhas.
(vai dizer que nunca te incomodou o fato de um garoto classe média baixa, que nem saíra do colégio, inventasse um composto químico revolucionário e ainda por cima conseguisse produzir quantidades absurdas, quase sem recursos? Nem o Walter de Breaking Bad conseguiu essa façanha)
A teia (mais ou menos) sintética também está lindona na tela. O pessoal dos efeitos especiais realmente caprichou!
Só há um pequenino detalhe negativo, que vai chamar a atenção apenas dos mais críticos, relativo ao estoque aparentemente infinito de teia. Não é algo que estrague o durante, mas que abala a verossimilhança na análise pós-filme.
(por falar em detalhes tecnológicos, também achei desnecessário Peter usar uma câmera fotográfica analógica num mundo digital. Ao menos, que houvesse uma explicação para a preferência, do tipo “era a câmera do meu pai ou do Tio Ben, tem valor sentimental” ou ainda “eu prefiro. Não há câmera digital que fotografe como em filme 35 mm”)
@espinafrando, falando em efeitos especiais, como se saem o Lagarto e o 3D?
Sobre o primeiro, taí algo que me surpreendeu visualmente. As imagens estáticas do Lagarto me deixaram com os 2 pés atrás. Há um motivo para a mandíbula estilo crocodilo ser desenhada com mais frequência: fica muito melhor que o design original de Steve Ditko, que parece ter sido a inspiração para o filme. Felizmente, o bichão em movimento apaga a sensação estranha de ver um careca verde sem nariz e orelhas.

O 3D. Os 2 pontos positivos também são 2 surpresas bem-vindas: 1) o matiz e o brilho das imagens não estão comprometidos (não é tão escuro e as cores não estão lavadas); 2) incrivelmente, não deu dor de cabeça, mesmo o filme sendo longo —2 horas e 16 minutos.
Por outro lado, esse é um dos poucos filmes em que o 3D poderia abusar da profundidade positiva (quando as coisas saltam da tela na sua direção) —pense no potencial do herói se balançando entre os prédios de Manhattan— mas essa é uma opção pouco usada pelo diretor. Há profundidade negativa bem feita, mas nada que justifique o ingresso mais caro. A menos que você faça questão de ver a última cena antes dos créditos, que fecha com chave de ouro e merece o 3D.
@espinafrando, já que mencionou, como está o trabalho de Marc Webb na direção?
Pode-se dizer que o Marcos Teiaa segurou a onda em seu primeiro arrasa-quarteirão.
Ganham os relacionamentos e as personalidades dos personagens, mais humanos.
As cenas de ação têm tudo o que você espera: ou seja, nem surpreendem, nem comprometem. Faltou um pouco de experiência na área. Ou de experimentalismo.
Há soluções visuais realmente embasbacantes, como a rede de teia nos esgotos e o curto balançar entre os prédios com visão em 1ª pessoa.
Trilha sonora: seguindo a tendência moderna, não é assobiável e é facilmente esquecível. Quando é que vão contratar um John Williams (ou ao menos um Michael Giacchino) pros grandes filmes de super-heróis?
E a tradicional gag com Stan Lee é uma das melhores da história da Marvel nos cinemas.
Como não conheço os bastidores, prefiro acreditar que as piores falhas (ou escolhas) sejam culpa dos produtores. A maior delas sendo o reboot com mais uma história de origem.
Quem ainda aguenta ver a curva de aprendizado de Peter Parker com seus recém-adquiridos poderes? E a morte do tio Ben? E a busca por vingança que leva à lição de moral, grandes poderes trazem grandes responsabilidades?
O mantra, aliás, não é dito uma única vez. No lugar, o roteiro traz algo absolutamente tocante: antes de bater as botas procurando o sobrinho, Tio Ben deixa uma mensagem no celular do garoto, dizendo o quanto o ama e o quanto o deixa orgulhoso com suas atitudes corretas. Uma gravação que pode ser escutada sempre que for preciso uma dose extra de incentivo. Ponto mais que positivo para direção e roteiro.
(em nota pessoal, gostaria que meu pai também tivesse deixado um recado desses antes de falecer)
Voltando ao raciocínio, os estúdios deveriam arriscar mais e iniciar uma história inédita de uma vez. Se realmente é preciso recontar a origem para o público que nunca ouviu falar de um ícone da cultura pop que existe há 50 anos (essas pessoas existem?), que o façam como na abertura dos desenhos animados: 10 segundos é muito.
É justamente a falta de ineditismo (+ a abordagem para o legado de Richard Parker, como falei no início) que enfraquece este O Espetacular Homem-Aranha, que apesar de ser um filme muito superior ao primeiro de Sam Raimi (pronto, falei!), não causa o arrepio que o fã sentiu ao ver o Tobey Maguire dependurado pela primeira vez.
Uma pena o ótimo trabalho de Andrew Garfield e cia. ser eclipsado por este motivo. Mas que fique o registro: o twist pós-funeral, encerrando a aventura, merece um joia! De novo, ponto pra Marc Webb.
E não se engane com o superlativo usado para enaltecer o trabalho de Webb e equipe: em termos de Homem-Aranha, está para ser feito ainda o filme que desbanque o segundo episódio com o Dr. Octopus.
@espinafrando, faltou falar da Emma Stone e sua Gwen Stacy! Aproveitando o ensejo, pode dar uma palhinha sobre a atuação de Rhys Ifans como antagonista?
Tem razão! Emma Stone brilha muito em O Espetacular Homem-Aranha. Visualmente, ela É a Gwen Stacy tradicional das HQs. E é uma das poucas vezes em que ela não repete o papel de Emma Stone: até que ela atua de verdade, não está no automático.
A química com Garfield ajuda.
Só que a personagem sofre com as furadas do roteiro. No ambiente escolar e familiar, está perfeita. Tire-a de lá e aparece a necessidade forçada de ligá-la ao destino de Peter Parker. E aí, uma menina do colegial se transforma em assistente genial de um geneticista renomado, trabalhando para a maior corporação americana do universo aracnídeo, com acesso e total desenvoltura para operar tecnologia de ponta, coisa que vai muito além da vida real. Podíamos ficar sem essa.
Quanto a Rhys Ifans, faz o feijão com arroz na pele do Dr. Curt Connors. O que, de certa forma, é positivo. Ao contrário dos filmes do Batman, o vilão nunca rouba a cena num filme do Aranha: o personagem principal É o principal.

@espinafrando, tem alguma curiosidade que você ainda não tenha falado sobre a transição quadrinhos-filme?
Só uma, ávido leitor. Digamos apenas que o modo como o Capitão Stacy e Gwen enxergam o Homem-Aranha no filme é uma inversão de seus papéis no gibi.
@espinafrando, agora é a penúltima: tem cena pós-créditos?
Não (pelo menos na sessão para imprensa). Mas tem cena “inter-créditos”, como em Os Vingadores. E é fraquinha e previsível, viu?
@espinafrando, pra encerrar e sem titubear: Os Vingadores ou O Espetacular Homem-Aranha?
Os Vingadores ainda reina absoluto em 2012. Veremos se o Homem-Morcego de Chris Nolan consegue desbancar Os Heróis Mais Poderosos da Terra.
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Após essa primeira sessão que aconteceu dia 25/06, num evento especial misto para imprensa e fãs, todos tivemos a oportunidade de participar de um videochat ao vivo com Andrew Garfield e Emma Stone, direto de NY.
De fato, não houve nenhuma pergunta/resposta digna de nota, a não ser como Andrew se sentia podendo ficar marcado como O Homem-Aranha para uma geração, da mesma forma que Christopher Reeve é A imagem do Super-Homem, à qual ele respondeu de forma elegante (após algum tergiversar) que essa pessoa para ele é o Tobey Maguire.
Mas o evento foi bacana. Garfield pareceu ser um cara legal, verdadeiro fã de quadrinhos e do teioso. Emma, a princípio, me pareceu “entojadinha”, mas depois percebi que na verdade ela estava um tanto apreensiva em lidar como uma plateia de desconhecidos. Pesou também o fato de poucas perguntas serem endereçadas a ela. O foco, afinal, estava no herói e seu intérprete.
E foi bem engraçado como se comportaram perante os fãs enlouquecidos, que urravam e aplaudiam a cada resposta, além da profusão de coraçõezinhos estilo Alexandre Pato/família Restart. Os astros acharam tão divertido que certa hora Garfield interrompeu uma resposta de Emma, pedindo: “do the heart thing with your hands!” A plateia veio abaixo, claro.
UPDATE: e eis que a Sony Pictures publicou um vídeo editado do chat. Dá pra ter uma ideia de como foi. Enjoy!
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O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spiderman) estreia nesta sexta, 06/07.
Caaara, então muitos dos seus pontos são válidos, até porque você parece que leu muito mais do quadrinho do que eu.
Na verdade só tem uma coisa que não estamos de muito acordo. A música. Eu na verdade me surpreendi muito com ela. E tava até esperando um James Newton Howard (a música tava muito o estilo dele). Ela pode não ter mudado a minha vida, mas com certeza merece um lugar na estante.
Não que eu esteja dizendo não para uma trilha sonora de John Williams ou Michael Giacchino(sou fã de carteirinha dos dois). Mas para um cara que eu nunca ouvi falar, ele mandou muito bem.
Tatiana, minha questão com a música é puramente pessoal. Tenho saudades dos grandes temas que grudam nos ouvidos e arrepiam, coisa que J. Williams é mestre: Super-Homem, Guerra nas Estrelas, Indiana Jones, E.T., Tubarão… duvido que você não tenha lembrado dos refrões de cada um quando leu os nomes 😉
Pessoal do Espinafrando.com,
Simplesmente sensacional!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Se já estava curioso e ansioso para poder assistir a esse filme do Homem Aranha, agora estou mais ainda!!!!
Parabéns pela profundidade na análise!!!!
Abraços
Luciano
Obrigado!
Super daora! Estou louca pra ver o filme, apesar de achar que os atores antigos seriam melhores.. atores novos meio que quebram a “tradição”, haha.
Sei que novidade traz desconforto, mas pense como se fosse num gibi: entram artistas, saem artistas, ficam os personagens. E Garfield e Stone estão muito bem!