Dica Duca – O Artista

Então, como sempre, fui conferir o bafafá do Oscar tardiamente e com dois pés atrás.

E eis que me surpreendi deveras! Primeiro, com o fato da Netflix disponibilizar O Artista bem antes da TV à cabo. Segundo, com o fato de que o filme mereceu todo o burburinho e mais.

Vamos deixar o ranço de lado e conferir porque um filme mudo e em preto e branco pode ser mais do que relevante em pleno 2012. Portas em automático. Apertem os cintos e boa viagem!

Uggie

porque é bom

Se você esteve em Marte no último ano, preparando o terreno para a NASA e a chegada da Curiosity, ainda não sabe que O Artista é um retrato de como a popularização do cinema falado acabou com a carreira de um astro do cinema mudo. Ou de como os avanços da tecnologia afetam a indústria do cinema. Ou de como as mudanças afetam a humanidade e como temos uma dificuldade inata para sair da zona de conforto. Ou ainda uma parábola sobre a teoria da evolução natural, a sobrevivência do mais forte e a importância da capacidade de adaptação.

O Artista / The Artist

E isso meio que responde à pergunta implícita no início (“por que é bom?“, caso esteja desatento). É um filme com várias camadas, cuja interpretação pode variar ao gosto da profundidade que o freguês queira impor.

Ainda dá pra tirar mais coisas desse balaio: O Artista pode ser encarado tanto como homenagem quanto como crítica ao modo como a indústria cinematográfica é gerida/funciona. Tudo embalado numa história envolvente que explora uma profusão de gêneros —comédia, romance, fantasia e drama.

porque é duca

A forma, numa arte visual, é tão importante quanto o conteúdo. E O Artista se destaca justamente por se utilizar do formato para contar a história, abusando da metalinguagem.

Vale destacar o óbvio —é um filme mudo e em preto e branco que trata do fim do cinema mudo e em preto e branco— sem se limitar a isso. Curiosamente, o som tem um papel importantíssimo. A trilha sonora é bela e ajuda a pontuar sentimentos e sensações, mas sem manipular o cinespectador. E há duas cenas em particular, uma na primeira metade e outra no final, em que a questão da ausência de som é explorada de forma magistral. São cenas de uma beleza ensurdecedora, que infelizmente não posso explorar no texto porque serei crucificado pela patrulha anti-spoiler. Mas fica a dica: assista ao filme pelo menos por essas duas cenas que não posso falar quais são.

Há quem veja nessas firulas sinal de pretensão (no mau sentido), assim como há quem ache que poesia é pura masturbação (de novo, no mau sentido). O caso aqui é bem diferente: não há duvidas de que o diretor francês Michel Hazanavicius mete a mão no balde de estilo, mas ele usa esses arroubos mais para temperar um roteiro quadradinho do que como muleta. O Artista, afinal, é um filme simples, completamente tradicional, sem soar tradicionalista. E tem lá sua poesia, mesmo tendo por base uma história pra lá de concreta. Principalmente, O Artista atinge seu objetivo de emocionar o público. E se não é emoção o que se busca ao mergulhar numa ficção, bem, então há algo de errado com o mundo.

O Artista / The Artist

Além disso, há a questão da atuação (e não, não vou falar do cachorro). Embora Bérénice Bejo, no papel de Peppy Miller, entregue uma performance um tanto caricata (nem de longe isso estraga o filme, que fique registrado), é Jean Dujardin o dono dos holofotes, com seu George Valentin. Temos aqui o exato oposto de Tom Hardy em O Cavaleiro das Trevas Ressurge: enquanto o antagonista do Batman tem seu rosto coberto e só pode interpretar através da voz (num ótimo trabalho de Hardy), o protagonista de O Artista tem que se valer da expressividade e da linguagem corporal para driblar a privação da fala. E que atuação, meus leitores! Dujardin transmite tamanha emoção ao papel, munido apenas de olhar e sorriso à la Clark Gable, que é impossível ficar indiferente e não se deixar levar. É algo como poucas vezes vi. Coisa fina, mesmo! Uma performance que te faz querer conhecer outros trabalhos do ator (até então, um ilustre desconhecido para mim, que confesso grande ignorância do cinema francês). Acho que esse, por si só, é um elogio definitivo.

Jean Dujardin / Clark Gable
Jean Dujardin e Clark Gable testam o método Joey Tribbiani “How you're doing?”

De tudo isso, o que concluo é que nem sempre a Academia erra. 😉

 

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