
De certa maneira, a frase que também será subtítulo do encerramento da nova trilogia de filmes em 2014, diz muito sobre o que esperar do retorno de Peter Jackson à Terra-Média em O Hobbit – Uma Viagem Inesperada.

Nessa época em que o imediatismo, o pragmatismo e a tecnologia imperam, há de se ter certa predisposição para gostar do gênero de fantasia, condição sine qua non para aproveitar O Hobbit como deve ser.
Mesmo tendo adorado o filme, dá pra perceber que muita gente vai detestar: de cara, se você não curtiu a trilogia d’O Senhor dos Anéis, não perca seu tempo com O Hobbit. Nada do que tem ali vai te agradar. É sério.
Provavelmente, uma parcela do público que gostou d’O Senhor dos Anéis e que nunca teve contato com o livro d’O Hobbit vai se chocar com o tom mais bem humorado da nova aventura.
E, claro, sempre vai existir o pessoal hardcore que devorou tudo de Tolkien e simplesmente vai achar pelo em ovo por causa da ADAPTAÇÃO!!! “Na página 12, Bilbo dá 3 cachimbadas ao invés de duas! Peter Jackson, seu herege!” Pra esses, fica o conselho Marta Suplicy: relaxa e goza.
De certa maneira, O Hobbit é um livro mais difícil de se adaptar pro cinema do que O Senhor dos Anéis. O estilo e a linguagem são infantis, mas há batalhas e mortes doídas que não são comuns ao universo da criança. Há tensão, mas não sisudez. É fábula bem humorada. Os próprios nomes dos personagens são cômicos (Bilbo, Oin, Gloin, Ori, Nori, Dori, Fili, Kili, Balin, Dwalin, Bifur, Bofur, Bombur, Gollum, Smaug), o que gera certa expectativa: é possível pronunciá-los em voz alta sem perder a dignidade?

Há um ou outro exagero na comédia física que incomodam. As sequências envolvendo Radagast, o Castanho (mago da mesma ordem de Gandalf) via de regra pendem para o ridículo, e não posso deixar de citar a cena do arroto dos anões como um ponto baixo, ainda que necessário para caracterizar o contraste entre os modos bárbaros do povo de Durin frente à ordem e pasmaceira da vida de hobbit.
O peso da mitologia da Terra-Média, que no livro passa quase desapercebido, escondido em passagens subentendidas fora do curso de ação principal, em breves citações históricas ou em nomes há muito esquecidos, florece com todo seu esplendor na tela do cinema.
O trabalho da direção de arte e design de produção está embasbacante. Erebor, o reino dos anões sob a montanha, já figura entre as coisas mais belas e grandiosas já vistas pelo olho humano. O senso de escala é de tirar o fôlego e de envergonhar a Asgard de Thor. Valfenda e a Vila dos Hobbits continuam lindas, graças à WETA Digital e à Nova Zelândia. E o covil dos orcs é incrível!



Em pelo menos um aspectoO Hobbit salta na frente d’O Senhor dos Anéis. O nome dele é Martin Freeman (que repete a dobradinha de Sherlock com Cumberbatch). Dificilmente poderia haver casting melhor. O protagonista dá um banho no Frodo insosso e emo dos filmes anteriores. Além de um timing perfeito para o humor, Freeman ganha o cinespectador nas sutilezas de gestos e olhares. É carisma puro.

O resto do time apresenta a competência costumeira, com destaques óbvios para o Gollum de Andy Serkis e para Sir Ian McKellen, cada vez mais à vontade na pele de Gandalf, o Cinzento. Dá pra ver como ele se diverte no papel.




P.S.
Assisti à projeção mais convencional possível: 35mm, 24 quadros por segundo, em 2D.
No fim de semana, devo conferir o outro extremo: digital, 48 quadros por segundo (a grande inovação de Peter Jackson) e 3D.
Assim que der, posto as impressões.