…When you lie to me, I hurt you.…
Tema espinhoso, não muito bem esclarecido (embora explorado exaustivamente), de difícil digestão e fácil de descambar para o patriotismo exacerbado ou para a denúncia radical.
A Hora Mais Escura remonta a caçada de 10 anos à Osama bin Laden, sem esbarrar no arame farpado e sem ficar em cima do muro.
A Hora Mais Escura é, também, o maior injustiçado do Oscar desse ano, pois é disparado o melhor filme dentre os concorrentes e o que tem a melhor direção. Entenda o porquê.
porque é bom
Emoção. Acredito que grande parte do que torna um filme memorável é o tanto de emoção crua e genuína que ele desperta. Mesmo que, sozinha, não seja garantia de sucesso.
A Hora Mais Escura mexe muito com o emocional, tanto do público quanto de seus personagens, não necessariamente apelando aos melhores sentimentos.
É um filme tenso, denso e opressivo, do primeiro ao último minuto. O tempo todo, a sensação é de ter uma bola de chumbo no estômago e um aperto no peito.
O início é apenas uma tela escura, uma legenda e gravações do 11 de setembro de 2001: a torre de controle, celular de passageiro, ligações para o 911. Não é preciso uma imagem para transmitir o horror. Memórias nefastas vêm à tona imediatamente.
Corta para uma base militar americana no Oriente Médio. O sol inclemente cega a retina enquanto Maya (Jessica Chastain), a agente novata da CIA, entra em cena para acompanhar uma sessão de interrogatório do experiente agente Dan (Jason Clarke, brilhante como coadjuvante). O desconforto de Maya com as técnicas de tortura é mais do que visível, é quase palpável. Mesmo assim, segue ordens, toma a iniciativa. Rapidamente se adapta.
Esse começo lembra muito um experimento realizado em 1963 por Stanley Milgran, na Universidade de Yale, citado em V de Vingança (a HQ do Alan Moore, não o filme): voluntários eram instruídos por um médico a administrar eletrochoques em um paciente, aumentando gradativamente a voltagem. O paciente era na verdade um ator, que fingia dores horríveis e implorava para que parassem. 65% dos voluntários continuaram com os choques, mesmo acreditando que eram perigosos, apenas porque uma autoridade mandava.
Passado o choque inicial, acompanhamos o périplo da CIA, e especialmente de Maya, para encontrar Osama bin Laden. Além da tortura, a montagem do quebra-cabeças que é o funcionamento da Al-Qaeda: a eliminação de pistas falsas, a confirmação de hipóteses, as ciladas para conseguir prisioneiros, a briga de prioridades do alto escalão. E ainda o clima de ameaça constante para a segurança física dos agentes.
Maya se transforma ao longo do filme, junto com o cinespectador. Faz apostas duvidosas, entra e sai do jogo, cria e impõem novas regras. Afinal, é uma década de trabalho, tempo suficiente para mudar a vida de qualquer pessoa. Da busca de aceitação e afirmação (um desafio a mais é enfrentar o sexismo de seus colegas e superiores), passa para a compulsão e obsessão. Chega a um ponto em que poderia ser personagem de um filme de David Fincher.
Até que, finalmente, localiza OBL. E começa um novo filme.
O Oriente é deixado pra trás e a ação agora se desenrola entre Langley e Washington. Reencontramos personagens que ficaram pelo caminho, agora com outras perspectivas.
A questão agora é política. A administração Obama já assumiu e não pode (ou não quer) tomar uma ação sem provas incontestáveis após o fiasco de Bush com Saddam Hussein e as supostas Armas de Destruição em Massa. E provas concretas são dificílimas de obter, quando o sujeito é praticamente invisível e meios heterodoxos como a tortura para conseguir informação foram proibidos terminantemente.
É um jogo de empurra, onde o alto escalão da CIA e do Governo tentam consolidar suas hipóteses em verdades e submeter ao outro lado, lavando as mãos. Ninguém quer puxar o gatilho, a não ser Maya.
Eventualmente, a operação para assassinar o maior líder terrorista (conhecido) de nossos tempos ganha sinal verde. E começa, então, um terceiro filme.
Filme de guerra, Black Ops, sem precedentes. Temos protótipos de helicópteros stealth, fuzileiros navais da tropa de elite, snipers, visão noturna e mais tensão.
Maya segue com a equipe até a base para acompanhar o desfecho de sua cruzada. Há o misto de desprezo e respeito mútuo entre CIA e militares durante o briefing. Pouco antes dos helicópteros partirem para o Paquistão, o ápice do sentimento de impotência e prepotência de Maya é revelado em conversa com os fuzileiros:
“Sendo bastante franca, eu nem queria usar vocês, com seus zíperes e velcro e toda essa traquitana. Eu queria jogar uma bomba. Mas o pessoal não acreditou o suficiente nesta pista para jogar uma bomba. Então, eles estão usando vocês como canários. E, em teoria, se bin Laden não estiver lá, vocês podem sair de fininho e ninguém vai ficar sabendo. Só que o bin Laden está lá. E vocês vão matá-lo pra mim.”
E então eles partem para fazer história.
A operação tem a intenção de ser cirúrgica. Mas há muito aprendemos que guerra cirúrgica é algo que não existe. Há mortes colaterais, crianças inocentes envolvidas, covardia e sujeira.
O que mais impressiona é o silêncio barulhento do ataque. A ação furtiva é tão audível que poderia acordar um quarteirão. E acorda. A ausência de trilha sonora é sufocante.
Você sabe como a coisa toda termina. Jornais, televisão e internet mostraram repetidamente no ano passado. E a sensação não é de alegria pela vitória, mas amarga. Porque a vida não é filme de mocinho contra bandido. E o filme capta exatamente esse sentimento.
porque é duca
Como cinema de qualidade, A Hora Mais Escura é cheio de méritos. O elenco afiado, puxado por Jessica Chastain, traz coadjuvantes de respeito como o já citado Jason Clarke, Kyle Chandler (o cara de Early Edition e Super 8 faz o papel de chefe direto dos agentes da CIA, que tem como objetivo desbaratar os próximos atos terroristas —para ele, a caçada à bin Laden é desde o início algo totalmente incidental), Jennifer Ehle (o único outro papel feminino de destaque no filme, tem desempenho quase tão bom quanto o que mostrou em Contágio) e um improvável Chris Pratt (o Andy Dwyer de Parks & Recreation, como um dos principais fuzileiros no ataque à OBL). E pontas de luxo: Harrold Perrineau (o Michael de Lost), James Gandolfini (o eterno Tony Soprano, como diretor da CIA) e um irreconhecível Mark Strong (o Sinestro de Lanterna Verde e o Lord Blackwood de Sherlock Holmes).
O roteiro de Mark Boal e a direção de Kathryn Bigelow vivem perfeita simbiose, misturando uma pegada jornalística (embora romantizada e com algumas imprecisões na caracterização do Paquistão, como apontam comentários de locais no iMDB) com gêneros de ação, espionagem, guerra e drama político. Funciona como os 40 minutos finais de Argo, com a diferença de que a mágica dura por 2 horas e meia.
O filme todo é recheado de sacadas geniais, como o relance nos sapatos dos militares disfarçados em burcas para prender o número 3 da Al-Qaeda, ou o poder do dinheiro e de um Lamborghini para conseguir uma informação, ou o uso da canção Pavlov's Dog na trilha, uma referência sutil aos experimentos de condicionamento do fisiologista russo Ivan Pavlov, aplicável ao interrogatório dos detentos, ao treinamento dos terroristas e à própria Maya. Ou ainda a minha cena preferida: a escuta telefônica traduzida numa viagem por fios e cabos, com o som caótico de centenas de ligações de civis misturadas com as de suspeitos.
A Hora Mais Escura mostra sua relevância ao levantar uma série de questões sem resposta fácil, e talvez esse seja seu maior mérito.
A tortura em interrogatório se justifica como meio de impedir a morte de pessoas inocentes? Funciona com o Batman, nos quadrinhos. E no mundo real? E o peso da infalibilidade em apontar um suspeito para sofrer de tortura?
Até que ponto a busca por justiça é válida, sem se transformar em sede por vingança? Os métodos de guerra de uma nação não se igualam aos atos de terrorismo de uma organização?
A dica do paradeiro de bin Laden veio de um governo, mas só foi comprovada através dos interrogatórios. Era a única solução? O trabalho de inteligência e espionagem, mais custoso e possivelmente com resultados mais lentos, foi deixado de lado ou subestimado?
O assassinato de bin Laden pode ser considerado ético ou correto? Os EUA poderiam optar por uma ação mais “policial” do que militar, capturando e levando a cabeça da Al-Qaeda para julgamento?
E o assassinato dos demais envolvidos, em frente a crianças? O que serão dessas crianças quando crescerem? A solução encontrada não seria um paliativo? Novas cabeças irão surgir para tomar o lugar daquelas que caíram. Os EUA estariam plantando as sementes de uma Al-Qaeda renovada e de ações terroristas ainda mais virulentas que o 11 de Setembro?
A luta pela liberdade é o mesmo que a guerra ao terror?

Senhoras e senhores, com isso encerramos a tese de que o Oscar como indicativo de excelência cinematográfica é e sempre foi uma instituição falida.
A Hora Mais Escura é definitivamente o filme mais provocativo da temporada.
Hey!
Existe alguem fora dos EUA que pense que o Oscar seja indicativo de excelência cinematográfica? Pois nunca foi.
Abs
Acho que sim, não é raro ver alguém que escolhe um filme porque “ganhou o Oscar”.
Abraço!
Qhe phod@ hein, nao e’ ‘a toa que o nivel das pessos e’ cada vez pior…
Abs