É justo julgar uma série pelo seu piloto? Provavelmente, não.
Há casos em que o 1º episódio da 1ª temporada é cru e não revela o potencial do seriado —atores ainda não estão confortáveis nos personagens, o texto ainda não tem pegada e a direção é travada. Como em Seinfeld, que só foi engrenar de verdade lá pela 3ª temporada.
E há casos como o início de The Walking Dead, onde Frank Darabont eleva tanto o nível que o restante do seriado simplesmente não consegue mais entregar a mesma qualidade. Ou como aconteceu com o finado Pan Am, que criou expectativas não justificadas no piloto (mea culpa).
O 3º tipo é o mais comum: começa ruim e desce ladeira abaixo. Às vezes, nem Spielberg salva —um alô do 3º círculo do inferno pra você, Terra Nova! E até a Netflix, que tem acertado bastante com suas produções originais, já derrapou feio com Hemlock Grove (produzida por Eli Roth).
Pra contrabalançar, o 4º tipo, o mais raro, que começa de forma espetacular e sustenta o hype até o fim. Lost (sim, eu gostei do final) e Game of Thrones (ao que parece até aqui) fazem parte do time.
Existem pequenas variações transitando entre os 4 tipos, e você pode até não concordar com os exemplos citados —o que é perfeitamente normal: opinião crítica, afinal, é calcada principalmente em gosto e referências pessoais. Imparcialidade é um mito.
Mas acho que dá pra fecharmos com essa matriz 2×2 para análise de episódios-piloto e validar a conclusão óbvia de que o sucesso de uma série independe do sucesso de sua origem.
Isto posto, é hora de deixar a justiça de lado e espinafrar o episódio 1 da temporada 1 de American Horror Story como se não houvesse amanhã. Simplesmente porque não passa de um amontoado de clichês, com um dos piores trabalhos de edição que já vi nas artes visuais.
Descontando o prólogo com os gêmeos ruivos mentecaptos —muito bem feito e realmente apavorante, o resto é tão sem propósito que é difícil imaginar como é que American Horror Story tem amealhado críticas tão positivas. Talvez, seja reflexo da escassez de seriados de terror, gênero cult por principio, que só se dá bem no cinema: qualquer coisa na TV com sangue, vísceras e um quê de sobrenatural já deixa os fãs ouriçados. Vide The Walking Dead.
A vantagem do formato de série é justamente poder trabalhar uma trama ou um mistério com tempo, sem afobação. O piloto de American Horror Story ignora essa vantagem ao jogar tudo de uma só vez na cara do telespectador. Em menos de meia hora, já se sabe que a casa demoníaca enlouquece todos os seus moradores, que o adultério passado será o estopim para os confrontos presentes, que o paciente do pai psiquiatra vai trazer problemas pra filha, que a vizinha (a envelhecida Jessica Lange) é “do mal” e que ninguém vai se safar.
Pra piorar, os cortes de cena são tão mal-feitos que atrapalham a narrativa. Por mais de uma vez, fiquei na dúvida se a cena era um flashback, uma alucinação ou se fazia parte do tempo corrente. Isso estraga toda a ambientação, a razão de ser do terror. Por mais que as imagens sejam “assustadoras”, o clima se perde.
De fato, esse 1º episódio é ruim o suficiente para fazer perder a vontade de acompanhar o resto, mesmo com o cliffhanger obrigatório no final. É o contrário de Hemlock Grove, por exemplo. O pastiche de Twin Peaks para a geração Crepúsculo da Netflix é tão ruim, mas tão ruim, que se transforma num exercício masoquista deveras prazeroso, daqueles que você assiste só pra passar raiva e meter o pau, incrédulo com tamanho nível de picaretagem.
Se ao invés de terror estivéssemos falando de pornografia, American Horror Story seria o equivalente ao erotismo pudico da Sexta Sexy da Bandeirantes. Deve excitar adolescentes, mas faz bocejar qualquer um que já tenho visto meia dúzia de filmes do gênero no cinema.