Lollapalooza Brasil ’14
Depois da “cobertura” Lolla no Sofá do ano passado, chegou a hora do espinafrando.com conferir o festival in loco. Este é o relato de um sobrevivente.
A Logística
Para quem está habituado às dificuldades de locomoção em São Paulo, praticamente não dá pra criticar o sistema especial de transporte público montado para o festival. Uma pena que não é sempre assim no dia-a-dia.
Chegar e sair, de ônibus ou trem, foi relativamente rápido e tranquilo, ainda que a estação Autódromo ficasse longe do autódromo em si.
Teria sido ainda melhor, não fosse a ansiedade e falta de consideração dos próprios usuários: quem está acostumado com metrô no horário de pico já conhece o comportamento de estouro de boiada e cada um por si do paulistano, com empurra-empurra e os “espertos” furando filas.
Não dá pra culpar apenas a qualidade do serviço e da infraestrutura (que muitas vezes é precária e merece ser criticada) quando a nossa sociedade é tão mal educada e não sabe aproveitar e cuidar do pouco que temos, tornando a experiência menos ruim para todos.
O Cenário
O Autódromo de Interlagos substitui o Jockey. E, pelos relatos da experiência passada, a organização deu um salto grande de qualidade.
Os acertos:
- Boa infra, com vários caixas e pontos de comida e bebida. Com tanta oferta, filas insuportáveis só existiram pra quem não quis andar mais alguns metros. O mesmo vale para a quantidade de banheiros.
- A distância e o posicionamento dos palcos foram decisivos para o som de um não vazar para o outro.
- A oferta de comes e bebes foi variada e atendeu a um bom número de paladares. Destaque para o Chef’s Stage.
- Não foi obra de Perry Farrell, mas o sol e o céu azul contribuíram para o clima de veranico. E se o calor não deu trégua, pelo menos não choveu.
Onde pode melhorar:
- A distância entre o palco Ônix e o restante do festival foi cruel. Caminhadas intermináveis para percorrer quilômetros debaixo de um sol de rachar cucas durante quase 10 horas por dia cobram um preço alto dos músculos e articulações.
- A distribuição e quantidade de lixeiras ficou devendo.
- Os preços, como de costume, são abusivos do início ao fim. Entram na conta os ingressos, taxas de (in)conveniência para quem comprou pela internet, copinho de água a R$3,00, cerveja a R$9,00 e sanduíche a R$15,00.
O Público
De crianças a tiozinhos, de fãs de uma única banda a quem foi apenas pela festa, de hipsters a nerds. A variedade deu o tom, sem sombra de conflitos. Todo mundo curtiu do seu próprio jeito.
E, de novo, a constatação de que, como povo, ainda temos muito que caminhar para chegar à civilização. A maldita cultura do jeitinho será a nossa ruína. Exemplo: se eram poucas lixeiras em locais espaçados, bastava colocar seu lixo na mochila e descarregar durante as maratonas entre palcos. Uma atitude simples que raramente foi vista, gerando um enorme chiqueiro ao longo do dia (imagine 70 mil pessoas jogando copos e papéis no chão num mesmo local durante 10 horas). Aí, não adianta reclamar da organização no Twitter, como se o lixo fosse gerado espontaneamente a partir do ar. E é também onde começa a aparecer a justificativa para os preços abusivos: além da margem de lucro, há o custo Brasil advindo do nosso vício em ser servido —leia essa matéria do Oene para entender aonde nossa cultura pode nos levar.
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Sem mais delongas, vamos ao que interessa: a música.
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Alive! And Kicking…
Café Tacvba
A mistureba alt-pop-punk-latina desses mexicanos veteranos agradou o pequeno público que não quis encarar a distância até o Cage The Elephant.
Melodias alegres e grudentas executadas à perfeição quase foram suficientes para superar o som baixo e o sol alto.
Perry Farrell/Etty Farrell/Joachim Garraud
Não é legal falar mal do dono da festa, mas a família Farrell não deixa opção com seu bate-estaca brega de boate do interior. Deprimente e ensurdecedor.
Julian Casablancas
O líder dos Strokes foi unanimidade e um convidado gentil para seus anfitriões. Afinal, conseguiu ser pior que Perry e Sra., angariando todos os tomates verbais para si. Ruim e inaudível, não deu pra aguentar mais do que 60 segundos.
Portugal. The Man
Hipsters do Alaska (!), fazem alt-rock até que sofisticado. O jeito de compor lembra Death Cab For Cutie, o jeito de cantar lembra Foster The People e o jeito de tocar injeta o PESO que as referências citadas não têm.
Os caras são bastante produtivos —7 álbuns em 8 anos, o suficiente para ter fãs que sabiam cantar as músicas de cor e salteado. E ainda assim, a banda não parece madura em cima do palco: zero presença, não soube explorar os espaços, ficou encolhida, quase alheia ao público (já maior do que o que presenciou o Café Tacvba). Enjoa depois de 1 hora, mas foi boa surpresa até chegar lá.
Lorde
Pelo que mostrou no show, pode-se dizer que o fenômeno da música pop de apenas 17 anos é superestimado.
Acompanhada de baterista e tecladista, mais vocais de apoio pré-gravados, Lorde reuniu uma multidão ECLÉTICA no palco Interlagos e imediações: de crianças a tiozinhos, passando por indies e adolescentes histéricas como se estivessem perante os Beatles.
Com composições que variam pouco em sua estrutura e as já famosas dancinhas epilépticas, a garota neozelandesa de um disco só ainda precisa comer feijão com arroz para justificar tamanha adoração (ainda que seu hit Royals seja uma pérola pop, grudenta como poucas).
Inclusive, Lorde me deixou com 98% de certeza de que grande parte do vocal principal foi pré-gravado: os close ups no telão não denotavam esforço nas cordas vocais e não dava pra sentir variação quando ela afastava o microfone. Como restam 2% de dúvidas, podem me acusar de ter má-vontade com a guria. 😉
Contratar uma BANDA e BACKING VOCALS certamente ajudaria a dar um charme mais ORGÂNICO à apresentação, além de valorizar o próprio passe de Lorde.
Pelo menos, a menina é educada e agradeceu ao público por pagar para vê-la.
Nine Inch Nails
Trent Reznor e banda cometeram o único show de gente grande do sábado, justificando plenamente a (longa) caminhada até o (bota) distante (nisso) palco Ônix.
Defronte a uma horda que misturava aficionados e alienados (“que banda é essa?” e “esse é o tal do Nine Inch Nails?” foram FAQ – Frequently Asked Questions), o NIN não poupou olhos, ouvidos e esqueletos, com um show energético e pouco palatável para o público médio do festival.
O som industrial/eletrônico do inferno estava no talo, perfeito para Trent Reznor mostrar seus dotes de frontman. Performer com P maiúsculo.
Faltando poucas músicas para o fim, começou a esperada debandada dos fãs do Muse, o que deixou a situação toda bem mais confortável em termos espaciais e quase deu fim às conversas paralelas. Quem ficou, pôde se emocionar com a interpretação tocante e visceral de Hurt fechando o show.
Muse
O power trio britânico foi a atração que mais atraiu público cativo no primeiro dia do Lollapalooza. O que é compreensível: mesmo que você não goste do rock progressivo teatral do Muse, cheio de pompa e circunstância, não dá pra negar que são músicos MUITO competentes e que sabem dominar um palco. Eu mesmo havia ficado bem impressionado quando abriram pro U2 em 2011 —na época, apontei que o som que faziam era uma continuação natural do Queen, ou algo que o valha.
[E vale dizer, a bem da verdade, que depois de escutar o penúltimo disco deles por cerca de 1 ano, já não tenho mais paciência pra ouvir os acordes de Bellamy e cia.]
Tinha tudo para ser um show apoteótico, mas o péssimo trabalho de P.A. que tornou o som abafado e embolado, somado à voz de Matthew Bellamy completamente prejudicada pela gripe, tornaram qualquer possibilidade de ver a apresentação impraticável para quem não é devoto. Ainda assim, deu pra ouvir a COMPETENTE cover de Lithium, que levantou a galera.
Disclosure
Se Muse decepcionou pelas circunstâncias, o duo eletrônico Disclosure SURPREENDEU!
Foi o 2º melhor show do sábado, anos-luz à frente do elogiado registro em álbum.
O duelo dos DJs com direito a instrumentos analógicos de verdade foi tão empolgante quanto os duelos de bandas de Scott Pilgrim, lembrando a qualidade e a diversão dos Chemical Brothers.
Definitivamente, é uma dupla pra se ficar de olho. E torcer para que o próximo disco consiga transmitir pelo menos metade do que eles fazem ao vivo.