2014 terminou e para muita gente não vai deixar saudade. Ano complicado, esse. Mas isso não significa que não teve —muita— coisa boa. E uma delas foi a volta do Afghan Whigs.
A BANDA
Um olhar mais alienado diria que The Afghan Whigs é mais uma das bandas que surgiram nos anos 90, em meio a explosão do grunge, perdeu-se no furacão por não ter chegado ao patamar de fama de outras como Pearl Jam e Soundgarden, e agora propõe um retorno caça-níquel para capitalizar sobre o saudosismo dos trintões.

Ledo engano. Apesar de ter vindo no mesmo turbilhão que elevou o Nirvana como expoente máximo, os Whigs nunca se enquadraram na categoria grunge de seus outros colegas da Sub Pop (sim, todos estavam na mesma gravadora). Apesar de começar a carreira com muitas guitarras distorcidas —chegando a ser produzida pelo mítico Jack Endino, produtor de Nevermind—, a banda trilhou outros caminhos e outras sonoridades, sempre capitaneada pelo messiânico líder Greg Dulli. Poeta raivoso, com letras doloridas e desesperadas sobre relacionamentos e perdas, Dulli sempre teve um pé firme no soul, característica que foi permeando seu som a cada álbum, cada vez mais.
Mas eles nunca estouraram. E muito menos no Brasil. [Sendo bem sincero, este que vos escreve dificilmente encontrava algum fã deste grupo.] Mas quem os conhecia, cultuava-os.
Então, foi com certa surpresa que os Afghan Whigs aterrizaram em São Paulo para um show no dia 22 de maio do ano passado, no Audio Club.
O SHOW
Após um hiato de 16 anos sem material inédito (e pelo menos 13 anos com a banda separada), o grupo voltou reformado: além de Dulli no comando, o baixista John Culley é o único remanescente da formação original. Isso não significa que o restante não seja competente —pelo contrário, foram impecáveis. Também faz parte da banda o guitarrista Dave Rosser, que acompanhou a vinda de Dulli com Mark Lanegan para o Brasil em 2009, por conta do projeto The Gutter Twins.
Tanto tempo de espera para ver os Whigs ao vivo gerou expectativa, que foi prontamente atendida. Começando pontualmente o show às 23h, a banda de preto iniciou os trabalhos com as duas primeiras faixas do novo álbum, Do to the Beast (novamente pela Sub Pop): Parked Outside e Matamoros —esta, candidata a hit do disco.

The Afghan Whigs é uma banda de peso e substância no palco. As guitarras ficam ainda mais proeminentes do que no estúdio. E a própria Matamoros ganhou uma versão mais acelerada e certeira.
O set list do show foi bastante equilibrado, passeando entre o último lançamento e o restante da discografia. Ficou clara a vontade de mostrar os novos rumos musicais. Óbvio que canções como Debonair e Gentlemen foram cantadas a plenos pulmões pela plateia.
Se a voz de Greg Dulli já começa a sentir o peso da idade, pelo menos ele não nega fogo. Suas apresentações sempre passam longe do piloto automático. Na ocasião, não conversou muito com a plateia, mas também não deixou a temperatura baixar.
E como não podia deixar de ser, Dulli sempre coloca alguma cover em seus shows —ele é um especialista em se apropriar das músicas dos outros. Sacou versões de Modern Love, de David Bowie, junto à sua John The Baptist, e finalizou o bis com Faded —a balada épica do álbum Black Love— fazendo um mash-up com People Get Ready, do Jeff Beck. Coisa fina.

Falando em shows, vale o registro pessoal: o melhor show a que já assisti foi em janeiro de 2004, com os Twilight Singers, projeto paralelo de Dulli. Em estúdio, são mais soturnos e climáticos que os Whigs, mas a pegada roqueira permanece sob os holofotes (incluindo covers de Outkast, Zombies e The Darkness). O cantor estava totalmente à vontade com a plateia, conversando durante toda a apresentação, cigarro após cigarro. Tudo enérgico e contagiante. E a sensação que ficou foi que, mesmo se o mundo fosse acabar naquela noite, estava estampado no rosto daquele homem que ali era o lugar que ele queria estar.
OS DISCOS
Se ficou curioso para mergulhar no mundo dos Whigs, seguem três dicas essenciais:
Do to the Beast – Último disco, lançado em 2014. Um retorno à forma, sem jamais soar datado. É a evolução natural da banda, depois das experimentações paralelas de Greg Dulli com os projetos The Twilight Singers e The Gutter Twins. Todo seu caldeirão de referências está lá, num álbum que figura fácil nas listinhas de melhores do ano passado. Matamoros e Parked Outside já mostram a que veio.
Black Love – O favorito, ponto. O ápice da fusão rock+soul, sempre presente em maior ou menor grau em toda a discografia. Um disco redondo do início ao fim, com destaque para o carro chefe Honky’s Ladder, a acústica Step Into the Light, o swing irresistível de Blame, etc., além da balada Faded, que fecha o disco com louvor.
Gentlemen – O disco mais famoso —inclusive recebendo uma edição comemorativa em 2014 por conta dos 21 anos de seu lançamento—, lançou os Whigs em alta rotação. Primeira obra por uma grande gravadora, a Elektra. Os hinos mais conhecidos estão aqui: Gentlemen, Debonair, Fountain & Fairfax. E uma curiosidade: a letra da faixa My Curse era tão dolorida para Dulli, que ele preferiu que Marcy Mays cantasse em seu lugar.